quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Quando só resta transgredir (07 abril 2008)

Quando uma formação social não cria espaços públicos de transcendência, o que ocorre é quase paradoxal - só resta aos indivíduos a transgressão. Quase... porque, na verdade, transgredir pode ser apenas atravessar limites ou ir além dos termos, das fronteiras. Não é necessariamente infringir ou desrespeitar as leis ou a ordem. Transgredir pode ser uma atitude realmente revolucionária, que se aproxima da transcendência, na sua acepção de exceder as fronteiras de classe ou do próprio âmbito; quase... uma revelação divina.
O que dá a qualidade especial da ação de transgressão está no tom da atitude, a consciência do valor do trabalho individual, a indignação transformadora, o enfrentamento lúcido e organizado; violação da ordem imposta: uma violação com legitimidade.
E então voltamos aqui a uma teoria dos carecimentos radicais e da superação transgressora. Os carecimentos radicais são todos os carecimentos nascidos na sociedade capitalista, em consequência do desenvolvimento da sociedade civil mas que não podem ser satisfeitos dentro dos limites dessa mesma sociedade. Portanto, eles são fatores de superação da sociedade capitalista. Para que os carecimentos se tornem visíveis é preciso que eles se individualizem. O público é a soma das individualidades. O outro é parte integrante da sua própria vida.
O capitalismo é um sistema de apropriação privada de bens coletivos, por parte de uma minoria de privilegiados.
Mais do que um "parteiro", sujeito histórico revolucionário, quem sofre carecimentos radicais pode tornar-se sujeito e objeto, uma unidade, no sentido de uma transformação da sociedade. Tal revolução vai depender apenas dos carecimentos, dos conteúdos expressos e do grau de consciência adquirido; o caráter revolucionário de uma classe ou fração de classe e seus programas políticos partidários e de movimentos só dependerá da radicalidade de seus carecimentos.
Apesar dos carecimentos radicais só se manifestarem na democracia, a democracia formal não é um sistema de instituições suficiente para satisfazer todos os carecimentos radicais. Não é uma premissa suficiente.
Os carecimentos referem-se sempre a valores e se definem sempre a partir de valores. Então, há que nos pautarmos por uma ética socialista. Os carecimentos radicais vão se definir a partir de aspirações realmente libertárias e verdadeiramente humanas. Novos valores para uma nova vida; novas formas institucionais de vida. Somos responsáveis por nossas escolhas e por nossas ações. E somos responsáveis também pelo que não fazemos. Por isso, precisamos de coragem cívica - para realizarmos o socialismo. A liberdade é uma relação e como tal deve ser continuamente ampliada. Ninguém pode ser livre se ainda existirem outros que não o são. Só uma inspiração individual pode estabelecer o que fazer.

Joyce Pires.

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