sexta-feira, 28 de novembro de 2008

INSS : a miséria não tem fim ? (01 maio 08)

Agora eu estava ali, diante do Poder Judiciário, desvendando a realidade do INSS, suas origens populistas, de um tempo em que a ideologia fascista tentava deformar a utopia científica comunista, com a farsa nazista nacional-socialista... mas, a verdade russa revolucionária estava vivificando um pouco mais ao leste... Um tempo em que Getúlio Vargas tentava cooptar os trabalhadores, para que estes não cometessem o sonho libertário. Então, com a criação de um partido trabalhista brasileiro e a instituição da "seguridade social" se pensava que poderíamos dispensar a revolução libertária. Engano: o trabalhismo sempre foi apaziguador das autênticas revoltas e a tal seguridade social nunca passou de propaganda ideológica, antagônica ao trabalhador.

Talvez eu estivesse somente querendo comprovar, na minha existência, o fato de que os trabalhadores rurais não possuem qualquer "segurança social" no Estado bruguês republicano... e que a propaganda democrática está mais para nazi-fascismo.

Talvez, eu esteja somente querendo provar dessa existência, fazer parte da população que trabalha no campo, produzindo alimentos; com as condições de um outro tempo, quando a realidade cotidiana possuia palpabilidade, a vida podia ser tocada com todo o corpo e não apenas com os olhos numa tela de computador; e as mãos, forçadas a praticar, com todos os seus poros e não apenas com as pontas dos dedos, imprimindo digitalidades virtuais.

Processo kafkiano: x INSS.

Agora, eu estava ali, diante do Juiz da Rocha, esperando as minhas três testemunhas... mas, somente uma apareceu, justamente ele, o urbano veterinário, que havia participado em l990, da preparação do projeto junto ao Banerj, com seu programa Moeda Verde, de financiamento rural. Eu pedi para que ele explicasse o item do projeto referente a contratação de mão-de-obra fixa, motivo para um dos indeferimentos para a minha aposentadoria por idade, como trabalhadora rural. O INSS usara esse item para me descaracterizar e me enquadrar como empregadora. No contexto das minhas origens de classe média, talvez... eu aparentasse uma empresária, mais do que camponesa. Mas, são já 28 anos de trabalho rural e o mínimo exigido na lei são l5 anos... E eu mostrava meu talão de nota fiscal de produtora rural, minha inscrição e recibos da cooperativa onde vendia o leite de cabra, onde há descontos para o INSS e o juiz afirmou que isso deveria estar no processo... eu tb achava, mas no INSS disseram que não precisava...
Agora eu estava ali, mostrando minhas mãos cortadas, os dedos torcidos e inchados que a advogada, no papel de defensora pública, acabara de notar e apontar ao Juiz (terceirizaram a defensoria pública ?): Veja as mãos dela, Doutor, são mãos de uma mulher que trabalha (mas a dor que sinto não é visível ).
Foi mais ou menos isso que ela falou, naquele momento em que o Juiz (oliveira é árvore de Atená) acabara de me perguntar sobre os meus rendimentos (que estou sem eles há dez anos,eu respondia), quando me emocionei e as lágrimas-orvalho cintilaram ( Ah, ele é Rocha... Glauber, e Osvaldo, meu padrinho baiano, casado com a irmã de minha mãe, Celeste Terra, eu tenho terra no nome) meus olhos se voltaram para a defensora, depois para o juiz atená meu padrinho (você está vendo bem as minhas mãos ?) e eu mostrei, sobre a mesa, ele ali, diante de mim, olhando e concordando (acho que já está convencido dos meus direitos), com um movimento de cabeça; por um instante piscou os olhos, fechou e abriu os olhos, concordando que realmente as minhas mãos eram mãos de trabalhadora rural, apesar de tudo o que estava escrito em alguns documentos daquele processo contra o INSS, movido pela Justiça Federal: eu estava inscrita anteriormente como bancária (trabalhei no BNH de l978 a l987); e como correspodente, mais anteriormente ( foram só 3 a 5 meses... fazendo atas de uma entidade e não interrompi meu trabalho com os coelhos e as vacas, em 75, porque era isso que me importava realmente, o trabalho que eu começara em 72 e não queria parar, eu amava muito aquele lugar, do amor e da magia, minha Salinas, salvação da minha alma, lugar da criação, da minha salvação, meu lugar no mundo, possibilidade espiritual)... eu estava agora ali, diante do juiz da rocha, aquela pessoa que iria julgar se me enquadro como trabalhadora rural, apesar do documento do INCRA, que tem meu endereço em Ipanema, nos anos de 77 a 89... mas saquei o papel de 88 e ali estava posta restante de nova friburgo, e fui dizendo que eu morei em ipanema quando voltei ao Rio e fui trabalhar no BNH, em 78 (é, eu trabalhei com carteira assinada e contribui para o inss durante 13 anos. Esse tempo de contribuição não conta... se perde na legislação injusta da nossa previdência); e o juiz já perguntava então, por que o endereço de ipanema e se eu confirmava que era jornalista...e expliquei que estudei comunicação de 78 a 82, quando me formei, e nessa época eu trabalhei no BNH e morei em ipanema e, claro que ele estava julgando que isso deve ter influenciado os frios técnicos analistas do inss, para negarem meu pedido de aposentadoria como trabalhadora rural (melhor endereço em ipanema que na posta restante) e eu olhava agora, rapidamente, a expressão no rosto do advogado do inss, bem ali na frente, sentado com seus documentos sobre a mesa, acompanhando atento as perguntas que o juiz me fazia. Era um rapaz jovem, com cara de classe média, daquela classe social em cima do muro da qual eu fazia parte e a qual ainda faço questão de não pertencer !
E ele não fez referências, graças a deus, ao fato de eu possuir, ainda, um diploma de pós -graduação em Ciência Política - que isto não faz parte do processo... sim, este é um caso excepcional - não é a regra. Parece que sou mesmo uma exceção. Talvez uma sobrevivente, quem sabe, apesar de assim exposta nesse rito de passagem; um daqueles seres extraordinários, que gostam de viver na própria pele (e na existência cotidiana) os prazeres e as dificuldades dos outros; poetas, revitalizadores utópicos...
E agora o juiz da rocha me perguntava sobre o meu casamento, em 88, e qual a profissão do meu marido e se ele morou comigo e trabalhou em Salinas e quando nos separamos; foi em 90, ele só ficou três meses, não se adaptou (mas não falei que ele veio com seu namorado, que somos gays e ele sempre foi apenas um amigo, nos casamos para driblar a lei, que não aceita os nossos casamentos gays !; e nos casamos para que eu pudesse receber o meu fgts,para poder recomeçar a minha vida, que em salinas não havia ônibus por perto e eu precisava de um carro para entregar o leite das cabras na queijaria, que a estrada é de terra e lama, nos meses de verâo, águas de março do Tom e eu sempre cantava com a EstrElis, águas de março fechando o verão, é a promessa de vida no seu coração... é pau, é pedra, é o fim do caminho, é a lama, é a lama... e eu apenas procurava um verdadeiro Lama, que somente me veio, afinal, em 1998 (eu pressentira que ele viria, um dia...).
O juiz já deve conhecer as manhas do INSS para não aposentar trabalhadores rurais, especialmente as mulheres camponesas... que não tem as terras em seu próprio nome - o que não é o meu caso. O juiz parace que compreendeu que eu havia tentado uma espécie de "economia familiar", mas o marido se foi e isto não deve mesmo ser um argumento para que não me aposentem; nem mesmo o fato de eu haver comprado o sítio, em 72, com uma amiga... a sócia, que também se foi, no ano seguinte. E eu, sempre insistindo, persistente, na vida no campo, com minhas cabras pastando solenes no meu jardim (mesmo sem a Lucia). É, a MPB sempre foi uma constante em minha vida, e o juiz não sabe e nem mesmo o inss quererá saber que antes, em 68, eu militei no Movimento Estudantil, eu fiz aquela passeata dos Cem Mil na morte do Edson Luiz (tem uma foto, comigo na passeata bem ao lado do caixão do Edson, carregando um cartaz convocando a população a se organizar, na revista Manchete, em l968) e aquele estudante de medicina, também assassinado pela ditadura burguesa, o Luis Paulo Pires da Cruz, é meu primo (sobrinho de meu pai); que eu estudei violão aos quinze anos, na Ilha do Governador, em 1966, e o Luiz Gonzaga Jr. foi meu professor, é , o Gonzaguinha, filho do Gonzagão, Asa Branca, meu irmão ! - meu irmão Luis. É , a MPB sempre fez parte da minha vida e acabei compondo 400 músicas, numa iluminação completa e irreversível, depois de dez anos criando as minhas cabras saanem e toggenburg, que esse era o meu caminho vajrayana de ressurreição camponesa (convergência adaptativa). Eu cantava, em 1970, numa buate em Copacabana, chamada Snoopy cave e logo ali perto, fazia um curso de pré-vestibular para Psicologia, saía do curso e ía cantar na buate, acompanhada pelo violão do Helio Delmiro, e eu escrevia minhas poesias nuns livros em branco que existiam numa estante num canto da cave, enquanto os clientes bebiam e namoravam, antes do nosso show começar. Eu escrevia, enquanto minha namorada não vinha.
Isto também o Juiz e o Instituto de Segurança Nacional não sabem e nunca irão saber... digo, Instituto de Seguridade Social (aos domingos, eu vendia colagens com folhas secas, cartões, na Feira Hippie).
Sim, exceção. Infelizmente, as duas outras testemunhas não vieram ao encontro. Justo o presidente da nossa associação de trabalhadores rurais, pequenos produtores da comunidade de salinas; eu disse apros e saquei a carteirinha, com a minha foto e nome e entreguei ao juiz, para ele ditar ao escrevente.; o nosso presidente, parace que não percebeu a importância do cargo, ele que me conhece desde que nasceu e seria uma grande testemunha. Mas será intimado a comparecer para a próxima audiência, em 25 junho. Tantas lutas juntos, mas é uma questão de consciência de classe possível.
Ao final, a advogada disse que eles serão intimados e terão que comparecer. Vamos ver.

INSS 2 : a miséria não tem fim (o7 julho 2008)
- O INSS e a Justiça Federal me condenaram a morrer de fome... A juiza Tatiana me sentenciou a pena do não "benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural", em 26.06.2008. Fui condenada a existir, no final da vida, da boa vontade dos amigos e de alguns meus devedores... Sem cidadania. O Brasil não é um país de todos. Ele pertence às classes dominantes. Aos miseráveis, marginalizados, só resta a transgressão.
A juíza insiste no equívoco de que eu teria contratado mão-de-obra e que seria uma "empresária". Em sua sentença também ressalta o fato de eu ser jornalista (sic). Não adiantou a testemunha, o veterinário, afirmar que a mão de obra incluída no projeto do banerj (para a criação de cabras) é apenas uma previsão, não significando que eu contratasse alguém de fato. E realmente o empréstimo mal deu para comprar ração e implementos. A mão de obra sempre foi somente a minha própria, o que me causou problemas neurológicos, como uma bursite e tendenite nos dedos das mãos, pelo excesso de ordenha. Foram vinte anos ordenhando, dos quais dez foram empregados na ordenha de cerca de 40 cabras, das 6 às l3 horas.. depois, ía com o rebanho para a montanha; pastora de cabras... sacerdotiza de cabras.
Agente da classe dominante e suporte da opressão, a juiza não compreendeu o que o veterinário afirmou: o fato de estar prevista contratação de empregados não significa que eu tenha contratado. Aquilo era apenas um projeto de financiamento de um banco rural... Não era um documento essencial, como a escritura do imóvel rural, por exemplo, ou como a declaração da nossa associação de trabalhadores, que afirma que eu trabalho no campo há 24 anos. Sou, de fato e de direito, uma camponesa. Porque eu desejei isso ! Eu optei por essa condição social. Questão de integridade ideológica: sou comunista.
A juiza não entende que apesar de jornalista também sou trabalhadora rural. Ela me condenou por ser jornalista... não pode admitir o fato de que, não conseguindo sobreviver no campo, em 76, eu tenha tentado trabalhar na cidade e me esforçado para estudar, à noite, depois de 8 horas de trabalho, me formando em comunicação social. Depois, em 87, já decepcionada com o rumo tomado pelo governo Sarney, pedi demissão doBNH (agora CEF) e voltei a trabalhar no campo. Simplesmente isso: a juiza (e o Estado brasileiro) estão me condenando porque eu estudei - e isto me descaracterizaria como "trabalhadora rural" . É que a Justica Federal do Brasil está fundamentada no conceito de estratificação social, e nessa ideologia os indivíduos só tem direitos dentro das grades da sua própria condição social. O sujeito é sujeitado ao arbítrio da injustiça social. Trabalhador rural deve estudar, saber assinar o próprio nome, para poder votar... e continuar mantendo essa "democracia" - apenas formal. Trabalhador rural não precisa de curso superior. Este é propriedade das classes dominantes. Curso superior é um bem simbólico das classes privilegiadas. A juiza Tatiana não perdoa a minha ousadia, de ser jornalista... e preferir ser camponesa ! A juiza Tatiana discrimina os camponeses que ousam obter a cultura da classe dominante. O Brasil não é um país de todos.
A Justiça Federal está mostrando a sua verdadeira face: desumana. Minha defensora não pode questionar as minhas testemunhas (que afinal compareceram e confirmaram a minha condição de trabalhadora) porque "poderia parecer que ela queria influenciar as testemunhas". Isso pode ? Pra que então defensoria e testemunhas ? Ela me disse que eles não foram firmes, não mostraram certeza em suas respostas à juíza. Mas essa impressão de hesitação, essa possível dubiedade, foi determinada pelo carater duvidoso das próprias perguntas feitas durante a audiência. Coisa que eu percebi na hora e apontei no ouvido da minha advogada, a defensora pública - que aliás parece não ser tão pública assim... afinal. E se houve dubiedade, esta foi mesmo condicionada pela origem do sistema republicano, em sua própria estrutura mistificadora.
Karl Marx afirmou que a igualdade de direitos precisa ser individualizada, porque as pessoas são diferentes e suas necessidades não são as mesmas. Por isto, para que haja igualdade, há que observarmos cada caso, individualmente. A Justiça precisa ser diferenciada. Marx tinha razão. As pessoas não são iguais e por isto as leis não podem servir para todos enquanto não existir individuação. Para haver democracia (governo de todos) tem que existir liberdade de escollha e respeito do Estado às necessidades individuais dos cidadãos. Leis totalitárias, como essas do Estado burguês republicano, que temos aqui no Brasil, não servem à cidadania. São leis distanciadas da realidade concreta da sociedade. Sintoma de um Estado de ruptura social. Falta cidadania socialista. Esta semana foi aprovada no âmbito do INSS, Lei que permite ao trabalhador rural exercer trabalho urbano, mesmo assalariado, e ele pode escolher um valor para sua futura aposentadoria, ou seja, agora está permitido unir trabalho urbano e rural. Vamos ver se na instância superior, pra onde foi o meu processo kafkiano... a justiça será capaz de se fazer, afinal.

Joyce Pires.

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